segunda-feira, 4 de maio de 2009

Porcaria de pedacinho de plástico

É quando a gente tem que empacotar coisas pra fazer uma mudança e começa a tirar tudo dos armários pra socar em caixas e depois em novos armários que encontramos as coisas que misteriosamente desapareceram durante os anos passados ali. Sempre caem por terra as teorias sobre duendes sacanas, gnomos peraltas e assombrações entediadas, que pegam nossas coisas só pra rir da nossa cara depois. 

Verônica tirava pilhas e pilhas de bugigangas e cacarecos do seu armário outro dia. Puxou um pano verde bandeira que de tão desbotado já parecia cinza poeira e descobriu a outra metade, bege-cor-de-areia, mas em outros tempos, de um amarelo-lua-cheia. Era a bandeira da Copa de 70. Não era sua. 

Continuou puxando tralhas até que ouviu o pickity-pick de um pedacinho de plástico que tinha caído no chão de madeira. Olhou pra baixo e viu, ao lado de seus pés calçados em meias listradas, aquela palheta vermelha. 

Era a sua primeira palheta, da época em que tinha estudado guitarra, há 200 anos, antes de parar de tentar se enganar e abandonar logo de uma vez a música. Tinha desistido da guitarra, assim como do teclado um pouco antes, porque não tinha o menor talento. Sua personalidade extremista sempre fez com que o conceito de hobby fosse um pouco turvo pra ela. Suas desistências musicais param por aí, mas segue uma lista grande de outras tentativas frustradas em variados campos. 

Comecemos com esportes. Seu primeiro esporte foi a natação. Começou aos dois anos. Aos 9 foi a 3ª melhor colocada resultado geral anual da sua cidadezinha. Parou de nadar aos 14 porque mudou de cidade. Às vezes ainda sente falta das horas e horas de silêncio na piscina. Até hoje o cheiro de cloro a faz sorrir. 

O futebol, Verônica tentou quando tinha 8 anos. Antes mesmo de completar 9 já tinha parado. Não conseguia administrar as competências de correr e chutar a bola ao mesmo tempo. Um pouco depois começou o tênis, mas dois meses depois de ter começado, teve que parar, porque o professor ia se aposentar. Ótima desculpa pra desistir. 

No handebol sabia que não iria longe, mas está por lá há quase 4 anos. É goleira. A parte que envolve os olhos roxos, gominhos de bola marcados pelo corpo e outros hematomas estranhos não a incomoda tanto assim. Agora parece que tem que parar e isso a rói por dentro, mas não há solução melhor, pelo menos não por um tempo. Teve também uma brevíssima passagem pelo Rugby, abreviada ainda mais por um ombro deslocado. 

Deixando o campo desportivo. Tinha tentado escrever, mas sucessivas notas vermelhas no colégio foram seu argumento, ou melhor, sua desculpa para desistir. Tentou desenho, mas mesmo depois de aulas e mais aulas, até bonequinhos de palito continuam tortos e feiosos. Nunca tentou cantar. Percebeu antes de tentar que não ia a lugar nenhum. Sua suposta voz de contralto só serviria para ser usada como instrumento de tortura avançado, do mesmo nível d’O Motoqueiro Fantasma do Nicolas Cage e de um CD do Kenny G. 

Cacete, é impressionante como aquela bosta de pedacinho de plástico vermelho, inútil ressecado e quebradiço conseguia ser a representação física de todas as coisas que ela tinha tentado, mas fracassado. Era a concretização da sua personalidade extremista, derrotista e comodista. Jogou a palheta no lixo e pensou em continuar a limpeza do armário. Em vez disso foi assistir a um filme e pensar na próxima coisa que poderia começar, pra acabar desistindo depois.

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