sexta-feira, 17 de abril de 2009

Penélope, Olhos-Azuis e as 34 moedas no chão

Era uma manhã silenciosa de terça-feira. Ouvia-se só o barulho do ventilador de teto ligado na velocidade média e a respiração leve de Penélope. Às 5h30 o silêncio foi interrompido bruscamente: “You are the Dancing Queen. Young and sweet only seventeen. Dancing queen, feel the beat from the tambourine, oh yeah!” Que idéia besta, colocar uma música animada como despertador. Não se animou, só levou um susto mesmo. 

Caramba, eram 5h30 e ainda era noite lá fora. Penélope olhou pro Peixoto. Tinha inveja dele. Aquele peixe gordo só fazia dormir. Se sentia irritada, com raiva do mundo. Não tinha motivo. Era puro mau-humor. Seria um dia daqueles, sabe? Daqueles péssimos e irritantes. Tipo um daqueles dias em que se anda pela rua, tranquilamente e aí uma criancinha idiota (sempre tem uma criancinha idiota) grita desesperada: “Eeek! Mamãe, a mulher tem cabelo azul!” Não é uma merda quando isso acontece com a pessoa? 

Enquanto pensava sobre banalidades, Penélope perdeu a conta de quantas colheres de açúcar tinha colocado no café. Não se importou, afinal, sete colheres não deviam ser tão diferentes de duas... Será que tinham sido só sete? Hmmmm. O café terminou ficando bem esquisito. 

Sentiu um cheiro estranho. Ah, não. Fumaça! A porcaria da torrada tinha virado carvão. Guardou a torrada na geladeira. Mais tarde ela serviria de adubo pra Nemo, o cacto, ou de comida pra Peixoto, o peixe. 

No caminho pro ponto de ônibus ouviu música. Às vezes passava a irritação. Paula, George e aquele outro cara que ninguém lembra o nome cantaram: “Vem amor que a hora é essa. Vê se entende a minha pressa...” É, se nem Kid Abelha animou é porque a coisa tava feia. 

Chegou ao ponto de ônibus às cinco pras sete. O ônibus passava às 7h03. Estranho, Não tinha nenhum rosto familiar esperando o ônibus. Uma mulher falava alguma coisa do outro lado. “Que coisa, esse ônibus! Quando não atrasa, adianta! Agora é esperar o de 7h26, fazer o que...” 

Santa falta de sorte, Batman. Penélope esperaria, então. Não que tivesse muita opção... Às 7h19 ela o viu. Não o ônibus, mas o Olhos-Azuis. Precisava ser melosa e lírica por uns minutos. Ele tinha olhos de um azul claro quase transparente. A luz oblíqua e suave da manhã batia nos seus olhos, que brilhavam como duas águas marinhas perfeitamente lapidadas. As sobrancelhas escuras e fortes contrastavam com os olhos suaves. Os cabelos pretos caiam de leve sobre a testa. Os dentes eram perfeitos e brancos, a pele morena.

Quando Olhos-Azuis caminhou em sua direção Penélope ficou meio abestada, literalmente boquiaberta. Ele parou em pé ao seu lado. Seus olhos tão azuis olhando no fundo dos olhos dela, tão pretos. Ele entrelaçou os dedos pelos cachos azuis dos cabelos dela. Ela passou a mão pelos seus cabelos pretos. A beijou com firmeza, empurrando-a de leve contra a lateral do ponto de ônibus. Beijou sua nuca, murmurou palavras doces em seu ouvido... 

Patético, Penélope, patético! Envergonhada pela sua imaginação excessivamente ativa, Penélope tossiu de leve, abaixou a cabeça para tentar disfarçar o rubor das bochechas, coloco o cabelo atrás da orelha, pôs as mão nos bolsos e ficou torcendo os pés. A sua rotina do embaraço. Não tinha chances nem de falar com o rapaz...  

Finalmente o ônibus chegou. Quando foi subir, tropeçou e caiu. Todas as dezessete moedinhas de cinco centavos, seis de dez centavos, cinco de um centavo e uma de cinqüenta centavos rolaram pelo chão do ônibus. Trinta e quatro moedas espalhadas e desgovernadas. 

“Pode deixar, eu pago pra você.” Olhos-Azuis estava falando com ela. Que coisa! Recolheram o maior número possível de moedas. Ele sentou no banco ao lado do seu. Conversaram. Francisco. Esse era seu nome. Aquela terça-feira saíram pra comprar biscoitinhos de baunilha, os preferidos de Penélope. E assim o fizeram por muitas e muitas outras terças-feiras.

 

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Sonho Dourado

Luzes, flashes, gritos, câmeras, gente gritando e chamando! Não me chamando, mas chamando pelas outras pessoas ali em volta, todos aqueles astros Hollywoodianos. Não me chamavam porque não me conheciam. Compreensível. Devia ter sido atriz. Faltou só o talento. Mas quem sabe esse não seja só o começo? Um dia eu posso ser tão grande quanto Spielberg, quem sabe Lucas... Esses grandes de Hollywood... 

Sentia o macio tecido azul do meu vestido contra minha pele. Me sentia feliz. Pode parecer bobo e simplista, mas sempre tinha sonhado que seria indicada para um Oscar um dia. Seria o Oscar de Fotografia ou Direção. Acabou sendo de Fotografia mesmo. Era estranho olhar em volta. Era diferente do que eu imaginava aos 18 anos. Sentados à minha volta não estavam Hugh Jackman, Johnny Depp, Leonardo DiCaprio, Nicole Kidman, Cate Blanchett, Kate Winslet... Com meus 43 anos sentava em meio a grandes estrelas de 25, 30 anos de idade, estrelas que mal tinham nascido quando eu começava minha “carreira cinematográfica”, no primeiro ano de faculdade, e com ela surgiam meus sonhos absurdos de concorrer a um Oscar. Não eram os meus antigos heróis. As estrelas do “meu tempo” estavam agora com 60, 70, 80 anos. Alguns já nem estavam mais. 

Quando anunciaram os indicados para fotografia eu pensei que meu coração fosse explodir. Já não era mais uma jovem moçoila, não sei até onde agüentaria sem ter um colapso. Ok, talvez estivesse exagerando, mas estava muito nervosa. Tão nervosa que nem percebi quando falaram meu nome, com aquele sotaque que eu já conhecia bem, de anos e anos atrás: “And the Oscar goes to: E-na Flah-vea!” 

Quem me entregava a estatueta era Drew Barrymore. Na minha época uma simples atriz de comédias românticas, tinha se tornado uma das maiores estrelas de Hollywood de todos os tempos. Sempre gostei muito dela. “Parabéns, Ms Andrade! Sou uma grande fã do seu trabalho” ela disse em meu ouvido quando me entregou minha estatueta dourada, meu sonho dourado. Talvez fosse procedimento padrão dizer esse tipo de coisas, mas fiquei lisonjeada de verdade. 

Eu tremia na hora de agradecer. Chorei um pouco. Finalmente poderia usar aquele agradecimento que há tanto tempo planejava! “Não vou ficar aqui agradecendo milhares de pessoas que ninguém conhece. As pessoas que me ajudaram sabem quem elas são e sabem que eu serei eternamente grata e sabem também que eu vou agradecer a cada uma delas pessoalmente. Agradeço então a James Cameron, Kate Winslet, Leonardo DiCaprio e toda a equipe de Titanic. Quando eu assisti àquele filme aos 8 anos de idade no,  em inglês com legenda em Japonês, não entendi uma só palavra, mas assim mesmo o filme me tocou profundamente. Espero um dia poder fazer um filme que signifique tanto para alguém quanto Titanic significou para mim. Um filme que transcenda as barreiras lingüísticas e toque os corações das pessoas...”

Meu agradecimento estava começando a ficar longo. As pessoas aplaudiam frenéticas e a música que (nada) sutilmente cortava os discursos de agradecimento estava prestes a tocar, eu sabia disso. Mas em vez da música ouvi batidas secas. 

BUM! BUM! BUM! 

— Minha filha! Sai desse banho! Você ta aí há quase 40 minutos! Vai acabar com a água do planeta! 

Então coloquei o vidro amarelo-ouro-quase-dourado de shampoo na prateleira, desliguei o chuveiro e fui assistir Titanic.  

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Amor elementar

Aproximas-te suave, calmo e gentil. Não importa. O mais leve de teus toques me faz estremecer. Começo a sentir-me instável, como se perdesse o controle sobre mim mesma. 

Tu sabes disso, mas não te conténs. Continuas a aproximar-te, mantém as tuas investidas. Respondo à altura, com cada vez mais intensidade, tentando alcançar-te, aprisionar-te em mim.

Começo a sentir que deixo de pertencer a mim e passo a ser tua, corpo e mente. Nosso amor é violento, passional. Tudo em volta estremece, abalamos a tudo e a todos e por vezes nossa relação chega ao limiar do destrutivo. 

Chego a uma espécie de êxtase. Parece que me elevo, que me levas contigo e que em ti estarei eternamente. Ou pelo menos até que chegue agosto e no ar, nada mais de água reste.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Ela é brasiliense

Aquela sexta-feira quando Samanta acordou, às 6h03, sentiu vontade de chorar. Estava cansada, o sono atrasado há vários dias. Quando fez uma passagem mental pela sua agenda para aquele dia percebeu que só poderia dormir de novo às 22h ou talvez mais tarde. Não havia nenhum tempinho, nem mesmo para um cochilo depois do almoço.

Às 6h10 desligou a chave do chuveiro e deixou a água correr. Um banho frio ajudaria. Depois de se vestir, às 6h40 tomou uma caneca e meia de espresso. Cafeína ajudaria. Olhou o relógio, 7h06. Estava atrasada. O ônibus passaria às 7h18 e a caminhada de sua casa até o ponto era de 9 minutos.

Chegou três minutos antes do ônibus. Suas aulas daquele dia transcorreram normalmente. Nada fora do comum aconteceu. Voltou para a casa no ônibus das 19h23. Desceu no ponto às 20h48, chegou em casa às 20h57.

Pensou sobre o que jantar por aproximadamente 4 minutos. Não queria cozinhar. Abriu a geladeira e olhou. Nada de interessante. Olhou de novo. Ali, bem atrás do pote de picles estava um pãozinho de banana com canela. Era o último dos seis que havia comprado no domingo.

Samanta sentiu uma felicidade infantil, até um pouco tola, ao ver aquele pãozinho. Pegou um prato e esquentou seu pãozinho no microondas por 38 segundos. Aquele foi o seu jantar: um pãozinho quente de banana com canela e um copo de chá gelado sabor pêssego. Ainda sentia um pouco de fome, mas não se importou de verdade. Lavou a louça às 21h25. Tinha prometido a si mesma: sempre lavar tudo assim que terminasse de usar. Poupava o esforço de ter de lavar pilhas de louças mais tarde.

Ligou o computador às 21h31. Precisava responder alguns emails e terminar um trabalho. Terminou o que tinha para fazer às 22h34. Sentia-se um pouco só. Pensou em telefonar para alguém só para conversar por uns minutos, ou talvez convidar para assistir Procurando Nemo, quem sabe Titanic. Desistiu de ligar. Era uma sexta-feira à noite, todos tinham planos e companhia. Ela não figurava nem como companhia nem como parte dos planos de ninguém. Pensou então em assistir aos filmes sozinha, mas desistiu de novo. Estava cansada.

Às 22h44 se deitou na cama. Às 22h47 já dormia. Dormiu um sono pesado. Acordou com o barulho do despertador exatamente na mesma posição em que tinha adormecido.

Aquela sexta-feira quando Samanta acordou, às 6h03, sentiu vontade de chorar.